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O MARKETING DA 3ª VAGA

Com o surgimento de novas e mais agressivas formas de concorrência a par da evolução tecnológica – em particular ao nível dos sistemas de informação – estratégias de marketing baseadas na clássica segmentação dos mercados, por mais inovadoras que sejam, ficam, com frequência, aquém daquilo que se pretende atingir. Desta forma, o marketing, depois de ter sido de massas e segmentado, está agora a entrar na sua 3ª vaga, a do one-to-one.

É vulgar afirmar-se que o marketing procura dar resposta a três aspectos cruciais da vida das empresas. Em primeiro lugar, identificar necessidades e oportunidades de mercado que possam ser transformadas em bons negócios. Depois, ajudar no desenvolvimento desses mesmos negócios, não apenas ao nível da concepção dos produtos e marcas, mas também do preço, da distribuição e de eventuais serviços associados. E, por último, contribuir para uma correcta e eficaz acção de promoção e comunicação.

No entanto, tudo isto assenta no pressuposto de que, não sendo os mercados homogéneos, é possível segmentá-los em subconjuntos de clientes com características e necessidades específicas e diferenciadas. Deste modo, a segmentação dos mercados tem assumido o papel de pedra angular, não apenas no âmbito restrito do marketing, mas da própria gestão estratégica em geral.

Contudo, as alterações que se têm vindo a registar no domínio não só das condições de concorrência mas também tecnológico – em particular no que se refere ao desenvolvimento de sofisticados sistemas de informação e comunicação, operando muitas vezes à escala planetária mas orientados para o indivíduo (a Internet é apenas um dos exemplos mais conhecidos) – trouxeram novos desafios. Na realidade, foi-se tornando claro que o sucesso comercial de muitas empresas passava pelo desenvolvimento de estratégias que excediam a clássica segmentação dos mercados. Começa assim a assumir uma importância crescente o marketing one-to-one ou, se se preferir, o marketing individualizado.

A título meramente ilustrativo veja-se, por exemplo, o que acontece no sector automóvel, onde a crescente personalização dos modelos se traduz por listas cada vez mais completas de opções à disposição dos potenciais compradores, os quais podem, assim, encomendar um automóvel quase à sua medida.

APLICAÇÃO: VOLVO S40

 

Com um design mais arrojado, actual e desportivo, o novo Volvo S40 inicia uma viragem na imagem da marca. Até ao ano 2000 vai ser lançado pelo menos um novo modelo por ano.

Neste seu novo modelo, a Volvo não propõe níveis de equipamento, podendo o cliente construir o seu próprio automóvel. À versão-base – já equipada com ar condicionado, ABS, “airbag” para o condutor e “airbag” lateral, fecho central de portas, direcção assistida e vidros eléctricos à frente – podem adicionar-se dois conjuntos de equipamento: o “pack” de luxo (200 contos) e o “pack” sport (350 contos). O “pack” de luxo inclui apoio de braços traseiro, banco do passageiro ajustável em altura, bancos aquecidos à frente, computador de bordo, fecho centralizado com controlo remoto, luzes de leitura à frente e vidros eléctricos. O “pack” sport tem computador de bordo, faróis de nevoeiro, jantes de liga leve Sporty com pneus 205/50 VR15, suspensão desportiva e volante em couro.

Cada cliente pode ainda optar pela lista de opcionais da Volvo e fazer um automóvel à sua medida. Juntando ao equipamento as diversas cores disponíveis, os estofos e as jantes, a Volvo pode realizar 14 mil combinações, o que quer dizer outras tantas versões diferentes.

Fonte: Público, 22.4.96, p. 35.

O exemplo anterior evidencia que o comprador de um Volvo S40 se “arrisca” a adquirir uma viatura verdadeiramente personalizada, única e distinta de qualquer outra. Isto não significa que a segmentação do mercado esteja ausente. Como é óbvio, o Volvo S40 foi concebido para uma determinada faixa de clientes. O que este caso demonstra é o esforço, que hoje em dia é cada vez mais nítido, em ir ao encontro de expectativas e necessidades individuais.

Por outras palavras, entre a célebre frase de Henry Ford “os meus clientes podem escolher um Ford T de qualquer cor desde que seja preto” e as 14 mil versões do Volvo S40 não cabem apenas oito décadas. Muito mais do que isso, aquilo que as separa são duas concepções de marketing totalmente distintas. No primeiro caso, está-se no contexto típico de uma abordagem massificada claramente orientada para a produção; o Volvo S40, pelo contrário, revela o actual esforço de personalizar e “costumizar” a oferta.

Noutra área totalmente distinta, a televisão também tem vindo a tornar-se cada vez mais interactiva e, consequentemente, mais dirigida a gostos e preferências individuais. A TV por cabo, oferecendo uma vasta gama de programas, contribui obviamente para isso. Serviços como os do canal inglês “Sky Sports Extra” são apenas a ponta do véu de um imenso leque de soluções à medida do cliente.

APLICAÇÃO: futebol INTERACTIVO

 

Alguns fãs do futebol já podem “realizar” as suas próprias transmissões televisivas dos jogos a partir de casa pois foi inaugurado em Inglaterra o “Sky Sports Extra”, um canal de TV que permite aos telespectadores escolher os ângulos a partir dos quais querem assistir aos jogos. Basta aos subscritores carregarem nos botões do comando da televisão para obterem imagens à sua escolha dos jogadores no relvado ou da tribuna principal.

Os telespectadores podem ainda rever determinados momentos do jogo enquanto a partida decorre, permitindo, por exemplo, assistir a um golo que, por motivos de força maior, ficou por ver. Há também uma opção que uma vez accionada funciona como um vídeo que está sempre a gravar os 30 segundos imediatamente anteriores ao tempo de jogo.

Além de permitir gerir as imagens, o “Sky Sports Extra” disponibiliza ao longo das partidas informação sobre os jogadores, dados estatísticos relativos ao jogo que está a decorrer e as pontuações das várias equipas que participam na competição em causa. Estas informações podem aparecer numa janela, sem que a transmissão do jogo seja interrompida.

 

Fonte: Expresso – Caderno “Vidas”, 28.8.99, p. 1

No entanto, não é apenas no mundo dos negócios que esta evolução se revela. Também a Administração Pública procura adaptar-se aos novos ventos, oferecendo serviços interactivos que ainda há poucos anos eram impensáveis. Um exemplo disso é o Programa de Desmaterialização das Obrigações Fiscais do Ministério das Finanças. Ciente de que o acesso por meios electrónicos à informação sobre a situação tributária, constituindo uma forma importante de desburocratização administrativa, facilita a vida a todos os contribuintes, a administração fiscal portuguesa tem vindo a implementar novas formas de consulta via Internet/World Wide Web e quiosques Multibanco da respectiva conta corrente do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Em suma, como a figura 1.1 ilustra:

O marketing, depois de ter sido de massas (1ª vaga) e segmentado (2ª vaga), está agora a entrar na sua 3ª vaga: a da individualização.

É óbvio que a maior “costumização”, aliada à crescente interactividade, tem implicações profundas ao nível das estratégias de marketing. A figura 1.2 sintetiza algumas dessas alterações.

Figura 1.2 – Marketing tradicional vs. marketing individualizado

Claro que para esta crescente individualização e personalização da relação entre as empresas e os seus clientes muito têm contribuído os avanços tecnológicos, em particular no domínio dos sistemas de informação – repare-se que a difusão do comércio electrónico não seria possível doutra forma. Aliás, alguns dos casos anteriormente citados são prova disso. Sem prejuízo da pormenorização que será feita no Capítulo 2, o Quadro 1.1 apresenta algumas das tecnologias ligadas à 3ª vaga do marketing.

Quadro 1.1 – O suporte tecnológico da gestão de clientes.

 
© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.